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Retrato de parede



O mundo não muda, o que muda são as pessoas que nele vivem. Os seus habitantes são os protagonistas para transformar a vida para melhor ou pior. E, geralmente, a sua condução é para o lado oposto. Em 50 anos, o mundo deu uma guinada espetacular nas grandes descobertas, principalmente no campo da ciência e tecnologia. Quantas coisas que foram inventadas e facilitaram a vida do indivíduo. A evolução tecnológica ultrapassou de longe a humana. O ser humano, ao invés de evoluir, parece-nos que involuiu, pelo menos é o que se vê todos os dias. A frieza, descrença, egoísmo e a falta de amor em si próprio tornaram-se mais latentes. Os valores morais e éticos, ao passar dos tempos, não conjuminaram com a rapidez das descobertas feitas. Não seguiram a mesma simetria. Algumas mudanças infelizmente influenciaram certos segmentos. Uma delas atingiu a tradição familiar e creio que seja curioso abordá-la nesse contexto. As coisas básicas e corriqueiras do dia a dia das famílias aos poucos estão sendo esquecidas ou gradualmente abolidas. As tradições criam memórias inesquecíveis para os filhos e unem famílias, criando um vínculo de amor intransigente. Há tradições que passam de avós, pais, filhos, netos e por aí vai, trazendo em nossas memórias boas lembranças. Num passado não muito distante, cada família mantinha a tradição em exibir com admiração, apreço e afeto, a moldura estampada na parede da sala, ou em cima dum cômodo de destaque qualquer do ambiente da casa, a fotografia de seus ascendentes (avós), ou descendentes (pais), enfim, um orgulho, respeito e consideração. Como se ali, naquele lugar sagrado do lar, o retrato de parede transcendesse o toque ornamental de forma reverenciosa, num sentimento de lembrança e saudade. Com essa atitude se preserva o passado, a identidade, o DNA, a história de cada família e sua geração, o que nos dá o sentido de continuidade, de perpetuação. Mas, as pessoas mudaram, estão mais virtuais e menos pessoais. Tudo mudou... Tudo está diferente... Tudo modernoso, moderno e muitas vezes horroroso. A tendência atual é o selfie, um autorretrato, uma foto tirada e compartilhada na internet, normalmente feita pela própria pessoa. Hoje, aquela foto de parede familiar, ornada em volta, sempre em destaque, é coisa rara, também está em extinção. Em nome da modernidade, do já era, do démodé, da cafonice, não se vê mais nos lares essa tradição, das belas fotos envelhecidas de nossos entes queridos expostos nos lugares em que realmente merecem e deveriam estar. O que se nota, às vezes, nas casas é uma decoração voltada para visibilidade da cadeira Luís XV, da estátua de Rhodan, do banco imitando um tronco de árvore, e das paredes, telas, pinturas, gravuras, quadros com fotos de viagens, paisagens; menos o principal, a de nossas famílias. O artista plástico catarinense Telomar Florêncio diz assim: “Um dia seremos apenas um retrato na estante de alguém. Depois, nem isso”. Mas, do jeito que as coisas caminham veloz, não seremos; já somos praticamente um povo sem retrato, sem memória, nem na estante e nem na parede. Estamos perdendo algumas das tradições e com ela, a nossa historia. É lamentável, pois “Um povo sem o conhecimento da sua historia, cultura e origem é como uma árvore sem raízes”, já dizia Marcus Garvey, ativista jamaicano.

* Vicentinho é Licencidado em Historia e Bel. em Direito.

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